domingo, 6 de março de 2011

Tiradentes tira o dente de Lelê


Eu estava com um dente meio mole, então o meu avô me levou até o doutor Rony, que é o meu dentista. Eu esperei um pouco lendo umas revistas velhas e aí o doutor Rony chamou a gente.
"Pode entrar, Lelê."
O meu avô também entrou e ficou sentado numa cadeira ali do lado, e eu fui para a cadeirona de dentista (deviam vender essas cadeiras para a gente ver tevê em casa).
"Vamos tirar esse dentinho mole?"
De repente eu senti um cheiro esquisito. Esquisito e ruim. Era o pum do meu avô! O pum de pirlimpimpim! Sempre que o meu avô solta o pum mágico dele, acontece alguma coisa estranha.
"Ei, pára de mexer na minha boca! Você não é o doutor Rony!"
"Não, mas também sei tirar dentes. Por isso que o meu apelido é Tiradentes."
"Você é o Tiradentes! Aquele que a gente estuda na escola?"
"Eu mesmo, uai."
"Cadê a sua barba?"
"Eu nunca usei barba. Lá no exército não deixavam. E quando eu fui preso até rasparam o meu cabelo por causa dos piolhos da cadeia."
"Mas eu vi a sua foto!"
"O meu retrato?"
"Isso."
"Acho que me desenharam daquele jeito para eu ficar com cara de herói, sabe?"
"E essa corda no seu pescoço?"
"É que eu fui enforcado."
"Aica! Por quê?"
"Porque eu participei de um movimento chamado Inconfidência Mineira. A gente queria separar Minas Gerais de Portugal."
"Só de Minas Gerais?"
"É."
"E muita gente foi enforcada?"
"Não, só eu. Os outros foram perdoados. Eu era o único pobre da turma. O engraçado é que eu não tinha dinheiro, mas depois minha cara foi estampada numa nota."
"Poxa, sua mãe deve ter ficado triste quando você foi enforcado..."
"Na verdade, minha morreu quando eu tinha nove anos. E o meu pai quando eu tinha onze. Aí eu e os meus seis irmãos ficamos pobres."
"Que chato..."
"Mas eu me virei. Tanto que eu fui mascate, minerador, dentista e por um bom tempo fui militar."
"Um general?"
"Não. Só cheguei a alferes. Eu comandava uma patrulha dos Dragões de Minas. Até prendi um ladrão bem famoso, o Montanha."
"Legal!"
"Ops! Pronto, saiu seu dente!"
"Pô, nem doeu."
"Ah, se tivesse estes equipamentos no meu tempo."
"E a tal da Inconfidência deu certo?"
"Não. Denunciaram o nosso plano para o governador de Minas."
"Quem que fez isso?"
"Várias pessoas. Um deles foi o Joaquim Silvério dos Reis, que era meu amigo."
"Dedo-duro é fogo! Na minha classe tem a Mirella. Ela sempre diz quem que começou a guerra de bolinhas de papel."
"Aí eu fiquei três anos preso. E depois fui enforcado."
"Doeu?"
"Foi pior que dor de dente. E o meu enforcamento foi uma espécie de show. Teve até fanfarra."
"Caramba!"
"Depois de me enforcarem separaram o meu corpo em várias partes. E com o meu sangue escreveram a certidão de que estava cumprida a sentença."
"Cruel!"
"É, mas no fim das contas, o dia da minha morte virou feriado nacional. O que mais eu podia querer? Agora cuspa, por favor."
"Ué? Cadê o Tiradentes?"
"Tira-dentes? Poxa, Lelê, pode me chamar de dentista, odontologista ou de pedodontista, mas tira-dentes é feio."
"Não, é que... Ah, deixa pra lá. É tudo culpa do pum do meu avô."
"Nunca mais vou comer couve-flor."

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