terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Educação: presença da família como vetor de qualidade

* Dal Marcondes

Educação é um consenso. Ninguém é capaz de minimizar a importância da educação para as transformações necessárias à sociedade brasileira em seu caminho para construir uma nação desenvolvida. No entanto, há muitas dúvidas em relação ao que é necessário para a transformação dos processos educacionais para que estudantes dos mais diversos ciclos possam ter aproveitamento pleno das oportunidades educacionais e transformarem-se em cidadãos educados em ciência, engenharia, sociologia, filosofia, línguas e todos os conhecimentos necessários para uma sociedade complexa.

Outro consenso da sociedade é a impossibilidade de se fazer observações ou críticas em relação ao trabalho dos professores vinculados ao ensino público. O Estado os trata com descaso. Dá mais importância a estruturas de cimento e tijolos, tanto que não há mais problemas de vagas nas escolas públicas do Estado de São Paulo. No entanto, desta escolas emergem estudantes despreparados, incapazes de interpretar textos mais elaborados, sem nenhuma intimidade com a matemática ou com a tabela periódica. Uns poucos, mais talentosos, superam as carências das salas de aula graças a esforços individuais ou familiares, mas a grande maioria vai formar uma massa de cidadãos incapazes de ocupar os cargos técnicos, científicos e de gestão necessários para uma nação moderna.

Tratamos, historicamente, os professores como coitados abnegados, e uma grande parte vestiu a carapuça. Escolas estaduais não tem professores em quantidade necessária para fazer frente ao número de alunos que suas salas de aula podem receber (então fecha-se algumas salas e superlota-se outras). Diretores estão sempre em uma dança das cadeiras onde estão sempre buscando um cargo melhor ou que demande menos trabalho na estrutura da Secretaria de Educação. Poucos são os que assumem suas escolas e trabalham para que a qualidade do ensino ajude a superar o círculo de ignorância e pobreza de populações de mais carências do que esperanças.

Durante dois anos estive à frente da Associação de Pais e Mestres do Colégio Alves Cruz, em uma região nobre de São Paulo, perto de uma estação de Metro, com uma linda praça em frente e a poucas centenas de metros da avenida Paulista. Um escola bem construída, com salas de aula arejadas e bons espaços para recreação e esportes. Nem por isso uma escola com bom desempenho educacional. Nos dois anos que estive à frente da APM vi passar pelo Alves Cruz meia dúzia de diretores, nenhum deles comprometido com a escola ou com a qualidade de ensino daquela unidade. Apenas fazendo hora para assumir um novo cargo, de preferência burocrático, e que não tivesse de lidar diretamente com professores e alunos.

Esta experiência também mostrou o afastamento das famílias do ambiente escolar. Mandamos filhos para a escola e nos desligamos da responsabilidade com a educação. Não há comparecimento de pais nas atividades realizadas nas escolas, poucos vão às reuniões com professores e quase ninguém quer compromissos com as APMs. No entanto, a experiência serviu para mostrar que uma APM ativa, capaz de diálogo com diretores, orientadores pedagógicos, com os estudantes e até com a Secretaria de Educação é fundamental para melhorar a qualidade de ensino das escolas. Mais do que medidas genéricas, para toda a rede, a qualidade virá de medidas locais, nas escolas, onde pais, estudantes e professores podem estruturar uma nova forma de relacionamento e de comprometimento com o resultado que se espera.

Exemplos simples de ações dos pais são profundamente transformadores. Nesta escola haviam alunos que compravam bebidas alcoólicas no supermercado em frente. O supermercado dizia que eram maiores de idade, portanto não poderiam restringir a venda. Uma conversa dos pais com os responsáveis pelo estabelecimento pôs fim a esse comércio. Outro caso foi o do barulho nas salas de aula, provocados por cadeiras com pés de metal sendo arrastadas em pisos frios. Uma ação dos pais instalando protetores de borracha em todos os pés de cadeira reduziu o nível de barulho a uma altura administrável pelos professores. No primeiro dia de aula após serem instalados os protetores de borracha, a impressão era de que a escola estava sem atividades, tal era o silêncio. Medidas simples.

Famílias dentro das escolas também tem um grande potencial na redução de conflitos entre alunos e na violência que chega a atingir também gestores e professores. O Estado não tem como substituir o respeito que cada um tem com pais, avós e outros familiares. É comum nas discussões entre professores e pais chamados para repreender seus filhos a resposta: “Mas em casa ele não se comporta assim”. Pois bem, em se levando a família para dentro da escola, é grande a possibilidade de que o comportamento mais contido diante dos pais passe a ser seguido também diante dos educadores.

Mas, há coisas que estão fora do alcance da unidade escolar. São coisas da relação entre Secretaria de Educação, professores e diretores. Coisas do universo da gestão da relação de trabalho entre estes órgãos. Professores devem ser bem remunerado e não podem faltar. Hoje as estatísticas de faltas entre professores são absurdas, gerariam demissão em qualquer organização medianamente bem administrada. Diretores devem assumir as escolas para as quais estão designados e responder pela gestão daquela unidade de acordo com metas e indicadores de desempenho, coisa que ainda não acontece. E, talvez, o mais importante, a lei prevê a APM, mas diretores e professores enxergam a presença da família nas unidades escolares como ingerência indevida em suas atividades. É preciso mudar isso, realizar processos de conscientização da sociedade sobre a necessidade de participar das escolas, e dos educadores e diretores sobre o benefício desta participação, em uma relação de respeito e construção solidária da qualidade de ensino.

Em cada escola deve existir uma APM, mas muitos diretores boicotam a formação desta entidade, de modo a não ter de dividir com a sociedade a responsabilidade por suas decisões. Em uns poucos casos, também, para evitar que haja um controle da sociedade sobre as verbas destinadas à escola, que desta forma podem ser, e muitas vezes são, desviadas através de uma prestação de contas com notas compradas ou frias. (Envolverde)

Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, Revistas Isto É e Exame. Desde 1998 dedica-se a cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial. Recebeu por duas vezes o Prêmio Ethos de Jornalismo e é reconhecido como um "Jornalista Amigo da Infância" pela agência ANDI.

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