sexta-feira, 4 de março de 2011

Transporte pela membrana da célula

O prêmio Nobel de Química de 2003, no valor de 1,3 milhão de dólares, foi concedido aos médicos americanos Peter Agre e Roderick MacKinnon, que descobriram o funcionamento de certos poros ou canais na membrana das células.
Peter Agre demonstrou que na membrana das células há proteínas, as aquaporinas, responsáveis pelo transporte de água (uma parte da água passa também pela camada de lipídios da membrana plasmática). MacKinnon estudou a estrutura de um canal para o íon potássio.

A importância de se estudar a membrana
A membrana plasmática é uma película muita fina (visível apenas ao microscópio eletrônico), que controla a entrada e a saída de substâncias na célula. Ela é formada por proteínas mergulhadas em uma camada dupla de lipídios. Algumas dessas proteínas atuam no transporte de substâncias para dentro ou para fora da célula. Na face externa da membrana há também alguns glicídios. Os glicídios e algumas proteínas podem encaixar e se ligar a hormônios. Essa ligação desencadeia uma série de processos no interior da célula. Ela também permite que uma célula identifique outra do mesmo tecido, promovendo a adesão entre elas.
Embora haja uma constante troca de substâncias entre a célula e o meio externo, apenas as substâncias necessárias devem permanecer ou entrar na célula, enquanto as indesejáveis devem sair ou ficar fora dela. Esse controle do que entra e do que sai da célula é feito pela membrana plasmática.
As proteínas da membrana têm um papel importante nesse controle. Elas funcionam como poros seletivos que permitem a passagem de água, íons (como o de sódio, cloro e potássio), glicose, aminoácidos e outras substâncias.
A descoberta das aquaporinas permite compreender melhor a reabsorção de água dos rins. Na doença conhecida como diabete insípida (diferente da diabete melito, causada por uma insuficiência de insulina), há uma eliminação muito grande de água pelos rins. Isso pode acontecer por problemas na produção do hormônio antidiurético (produzido no hipotálamo e armazenado e secretado pela hipófise), que controla a eliminação de água pelos rins. Mas pode ser causado também por um problema nos canais de água nas membranas das células. Esses problemas podem surgir devido a mutações nos genes que controlam a produção das proteínas desses canais.
Os canais de potássio, juntamente com os canais de sódio, são fundamentais para a condução do impulso nervoso nas células do tecido nervoso, os neurônios. O impulso acontece quando um neurônio é estimulado: os canais de sódio se abrem e este íon entra na célula. Milésimos de segundos depois, os canais de potássio se abrem e este íon sai da célula. Essa entrada e saída de íons provoca uma mudança na carga elétrica da membrana que se propaga ao longo do neurônio, constituindo o impulso nervoso.
Problemas nos canais de sódio e potássio, que também podem surgir a partir de mutações dos genes normais, provocam doenças no sistema nervoso, no coração e nos músculos.
Na síndrome de Liddle, uma doença genética rara, há falha no transportador de sódio nos rins, provocando um aumento na pressão arterial.
Outra doença genética causada por problemas na membrana é a fibrose cística, que afeta 1 em cada 6 mil crianças. Neste caso, há um mau funcionamento da proteína da membrana que leva o íon cloro para fora da célula. Com isso a célula passa a reter cloro, sódio e água em seu interior, ressecando as vias respiratórias. A pessoa passa a respirar com dificuldade e fica suscetível a contrair doenças respiratórias. O pâncreas também é afetado, prejudicando a digestão e provocando diarréia e desnutrição. O problema pode ser diagnosticado com testes genéticos, já que o defeito na proteína é provocado por um gene. O tratamento, que envolve fisioterapia (para preservar a capacidade respiratória), dieta e antibióticos prescritos pelo médico, para combater as infecções, deve ser iniciado o mais cedo possível.
Em alguns casos, a reabsorção nos rins do aminoácido cistina é anormal, provocando a formação de cálculos renais de cistina.
A fluidez da camada de lipídios também interfere em algumas atividades da célula. Um aumento na quantidade de colesterol, por exemplo, torna a membrana menos fluida, o que pode prejudicar o transporte de substâncias e a capacidade que a hemácia tem de passar por capilares, já que diminui a flexibilidade dessa célula. Essa diminuição ocorre, por exemplo, em problemas do fígado, como a cirrose hepática.

A importância da pesquisa básica
Estudos como esses constituem o que se chama de pesquisa básica. Na pesquisa básica, o cientista não está necessariamente pensando em descobrir a causa de alguma doença ou  alguma aplicação prática de seu estudo. O que ele busca é conhecer como o mundo funciona. No entanto, a pesquisa básica pode nos ajudar a compreender o mecanismo responsável por muitas doenças, abrindo, com isso, o caminho para a descoberta de medicamentos.
                
Fernando Gewandsznajder
(Licenciado em Biologia, doutor em Educação, professor de Biologia no Colégio Pedro II-RJ e autor de livros de Ciências e Biologia pela Ática)
Fontes:
Alberts, B. et al. Fundamentos da biologia celular: uma introdução à biologia molecular da célula. Porto Alegre, Artmed, 1999.
Cooper, G. M. A célula: uma abordagem molecular. 2ª ed. São Paulo, Artmed, 2001.
Devlin, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. São Paulo, Edgard Blücher, 2003.
Junqueira, L. C. & Carneiro, J. Biologia celular e molecular. 7ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2000.
Karp, G. Cell and molecular biology: concepts and experiments. 2ª ed. New York, John Wiley, 1999.
Linhares, S. e Gewandsznajder, F. Biologia hoje. 14ª ed. São Paulo, Ática, 2003.

Na internet:
Sobre fibrose cística:
http://www.fepe.org.br/fibrose.htm
http://www.saudebrasilnet.com.br/revista/edicao7/fibrose_cistica.asp
http://www.cff.org/
http://www.cysticfibrosis.com/
http://www.cftrust.org.uk/

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