quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os fungos a nosso serviço

Quando ouvimos falar em biotecnologia, pensamos logo nas técnicas modernas de manipulação do DNA, como a engenharia genética e as sementes transgênicas. Contudo, a biotecnologia é muito mais antiga: há muito tempo o ser humano manipula microrganismos, criando produtos como o vinho e outras bebidas alcoólicas e o pão. Além, é claro, de vários antibióticos. E os fungos estão entre os principais microorganismos a nosso serviço.
Os fungos alimentam-se de substâncias orgânicas de folhas mortas, de cadáveres e de resíduos. Eles realizam a decomposição dessas substâncias e, dessa forma, contribuem para a reciclagem da matéria no planeta.
Algumas de suas formas são unicelulares, como o levedo. A maioria, porém, é formada por várias células, como os conhecidos cogumelos - alguns deles são muito apreciados na culinária; outros, porém, produzem substâncias venenosas. E somente especialistas podem identificar se um fungo é tóxico ou não.
Os fungos podem ser aeróbios - quando utilizam o gás oxigênio do ar para liberar energia do alimento - ou anaeróbios, quando realizam um processo chamado fermentação. Na fermentação, os fungos conseguem energia sem utilizar oxigênio. E é justamente nesse processo que diversos produtos úteis ao ser humano são fabricados.
Uma curiosidade: a maior forma de vida da Terra parece ser um fungo gigante com uma enorme rede de filamentos que se estende embaixo da terra, abrangendo uma área equivalente a 47 estádios do Maracanã.

A produção de álcool e pão
Na produção de álcool, de pão e de bebidas alcoólicas usamos um fungo conhecido como levedo (Saccharomyces cerevisiae). O processo é chamado de fermentação alcoólica e libera, além do álcool, gás carbônico (esse gás pode ser mantido na bebida, como no champanhe e na cerveja).
O vinho é produzido a partir  da fermentação do açúcar da uva; a cerveja resulta da fermentação da cevada; a cachaça tem origem na fermentação da cana-de-açúcar.
O fungo morre quando o nível de álcool chega a cerca de 12%. Por isso, no caso de bebidas de alto teor alcoólico, este nível é aumentado por meio da destilação.
O levedo é encontrado também no fermento de padaria e faz crescer a massa do pão pela produção de gás carbônico. As bolhas desse gás fazem a massa ficar fofa. Tanto o álcool como o gás carbônico acabam sendo eliminados da massa pelo calor do forno.
Alguns fungos defendem-se de predadores através da produção de substâncias químicas que matam ou inibem o crescimento de bactérias e outros seres vivos. Algumas dessas substâncias são usadas na produção de antibióticos.


Antibióticos e outros medicamentos
O primeiro antibiótico foi descoberto pelo cientista escocês Alexander Fleming (1881-1955). Fleming estava cultivando bactérias em placas de vidro quando observou que uma das placas tinha sido contaminada por fungos. Ele observou também que as bactérias não cresciam ao redor da região onde estava o fungo.A partir dessa observação, Fleming pode verificar que o fungo, da espécie denominada Penicillium, tinha a propriedade de inibir a reprodução das bactérias. Estava aberto o caminho para produção da substância denominada penicilina.
Muitos medicamentos são extraídos de fungos. Por exemplo: a ergotamina, usada para controlar sangramentos e estimular contrações musculares no parto; a ciclosporina, que reduz as reações imunológicas do corpo e é, por isso, importante nos transplantes de órgãos.
E, embora as bactérias sejam as preferidas para a produção de medicamentos pela engenharia genética, cientistas norte-americanos conseguiram fazer recentemente com que o levedo produzisse proteínas para fins terapêuticos semelhantes às proteínas humanas, utilizando as mesmas técnicas de engenharia genética.

 Bioinseticidas
Os fungos também podem ser usados como controle ou combate biológico, uma técnica de combate a pragas. Por meio de seleção e melhoramento genético, pesquisadores da Universidade de São Paulo conseguiram espécies (Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana) que parasitam e matam insetos que atacam as plantações no Brasil. A vantagem do combate biológico é que ele é mais específico que os agrotóxicos: os insetos úteis (como os polinizadores e os predadores das pragas), além de outros animais, não são afetados por eles.

Fungos versus ser humano
Fungos podem ser benéficos ao ser humano, mas também podem trazer prejuízos. Eles atacam plantações, destroem alimentos estocados, roupas, papéis, couro e outros produtos. E há ainda fungos parasitas que se instalam em nosso corpo e causam doenças - as micoses, como a frieira, a candidíase (o popular "sapinho"), entre outras.
Os fungos do gênero Aspergillus, por exemplo,  produzem substâncias tóxicas, as aflatoxinas, que podem provocar câncer de fígado no ser humano. Eles podem se desenvolver em alimentos armazenados em locais úmidos, como milho, trigo e amendoim. Por isso, uma vigilância sanitária constante é necessária, a fim de detectar os níveis de aflatoxina nesses produtos.


Preservar a biodiversidade
Do ponto de vista da ciência, a natureza não existe para servir ao ser humano. Fungos, assim como todos os organismos do planeta, apresentam adaptações que permitem sua sobrevivência e reprodução. Muitos fungos produzem substâncias tóxicas para combater outros seres vivos. Muitas dessas substâncias acabam sendo transformadas em medicamentos para o ser humano. Assim, embora não houvesse nenhuma "intenção" por parte do fungo (ou de qualquer outro ser vivo) de nos ajudar, é isso que acaba acontecendo em muitos casos: basta pensar nas vidas salvas pelos antibiótiocs. A conclusão é que preservar a biodiversidade do planeta é preservar também a espécie humana.

(Julho de 2004)
Fernando Gewandsznajder
(Licenciado em Biologia, doutor em Educação, professor de Biologia no Colégio Pedro II-RJ e autor de livros de Ciências e Biologia pela Ática)
Fontes:
Linhares, S. e Gewandsznajder, F. Biologia Hoje. 11.ed. Vol.2. São Paulo, Ática, 2003.
Putzke, J. Os reinos dos fungos. 2v. Santa Cruz do Zul, Edunisc, 1998.
Raven , P. H., Evert, T. F. Eichmorn, S. E. Biologia vegetal. 5.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1996.
Silveira, V.D. Micologia. 5.ed. São Paulo, Âmbito Cultural, 1995.
Na Internet (em inglês)
http://www.ucmp.berkeley.edu/fungi/fungi.html
(Site acessado pelo Ática Educacional em julho de 2004)

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